*A dramaturgia “O mingau” foi uma adaptação de um texto anônimo e foi encenado pelo diretor Erick Naldimar. É uma comédia sobre Helga que confessa à sua família que deseja morrer. Aos leitores, disponibilizo um fragmento.
PEÇA TEATRAL: HELGA DECIDE MORRER...
Adaptação da Peça O MINGAU
(...)
CARLOTA – Temos problemas Álvaro Henrique.
ÁLVARO HENRIQUE – Problemas?
CARLOTA – Conte pra ele a sua decisão, Helga!
ÁLVARO HENRIQUE – (diante do silêncio) Pare de fazer suspense, Helga que decisão é essa?
HELGA – Papai, eu quero morrer.
JOSAFÁ – (que permaneceu na sala, juntamente com Catarina) Morrer? Mas isso não é problema, compra-se um caixão, faz o velório e depois é só enterrar. Não tem pro... (Cala-se, diante do olhar de Carlota e Álvaro Henrique).
ÁLVARO HENRIQUE – Você já pensou em todas as consequências?
HELGA – Já pensei em tudo.
ÁLVARO HENRIQUE – Você já pensou que vai ficar longe da gente pra sempre?
HELGA – Tudo na vida tem um preço, papai!
ÁLVARO HENRIQUE – Por mim você não morreria, mas se é o que você quer...
CARLOTA – Mas o problema é que Helga quer um velório simples, como se fosse a filha de um qualquer!
HELGA – Eu não gosto de badalação, papai.
ÁLVARO HENRIQUE – Você quer nos deixar, Helga?
CARLOTA – (Irônico) Simplesmente cansou de viver!
HELGA – Eu não aguento mais acordar, tomar mingau, dormir...
ÁLVARO HENRIQUE – Eu acho bom você pensar no que vai fazer.
CARLOTA – Não fale assim, Álvaro Henrique. Do jeito que essa menina é indecisa, daqui a pouco ela desiste. Aí, adeus meus planos.
ÁLVARO HENRIQUE – Que planos?
CATARINA – (que voltou logo depois que telefonou para o padre) D. Carlota quer um velório de arromba, S. Álvaro Henrique!
HELGA – Isso eu não quero, Papai!
ÁLVARO HENRIQUE – Se você não quer um grande cerimonial, a gente não faz nada, só enterra!
CARLOTA – Não! Isso nunca! Tem de ser como eu quero!
HELGA – Mas quem vai morrer sou eu, mamãe!
CATARINA – Helga não quer tomar mingau, Senhor.
CARLOTA – (irritada) Oh, Catarina! Mingau?
CATARINA – E é de milho!
ÁLVARO HENRIQUE – Você precisa se alimentar, minha filha.
HELGA – Nunca mais vou tomar do seu mingau, Catarina!
CATARINA – Mas eu coloquei bastante açúcar!
HELGA – Eu não gosto mais de nada.
JOSAFÁ – Nem de mingau de milho?
HELGA – Nem de mingau de milho. Ah, eu não suportaria viver mais um dia sequer.
ÁLVARO HENRIQUE – Você está querendo morrer hoje?
JOSAFÁ – Como? Hoje?
CARLOTA – Não. Ela vai morrer quando eu quiser.
HELGA – Eu queria morrer agora se possível.
ÁLVARO HENRIQUE – Mas filha...
JOSAFÁ – O tempo é muito curto para se preparar uma cerimônia como essa.
HELGA – Eu não quero cerimônia nenhuma. Não é preciso que ninguém fique sabendo da minha morte.
JOSAFÁ – O que a senhorita quer é impossível. Para que ninguém fique sabendo, seria preciso enterrá-la à noite.
HELGA – A noite não!
JOSAFÁ – É verdade, tinha me esquecido que ela tinha medo de escuro.
CARLOTA – Acho melhor vocês pararem com essa conversa... porque ninguém vai ser enterrado no escondido!
HELGA – (quase gritando) Eu não quero ser enterrada no cemitério.
CARLOTA – (sem entender) E será que eu poderia saber onde a senhorita gostaria de ser enterrada se não for no cemitério?
HELGA – Eu quero ser enterrada no jardim daqui de casa.
CARLOTA – (indignada) No jardim??? Mas isso não é nem um pouco sociável!
ÁLVARO HENRIQUE – Ela tem o direito de ser enterrada onde quiser, Carlota.
CARLOTA – Mas no jardim não pode ser Álvaro Henrique!
ÁLVARO HENRIQUE – Em que parte do jardim você quer ser enterrada, Helga?
HELGA – (feliz com o apoio do pai) No canteiro das rosas brancas!
CARLOTA (com raiva) Vai ser no cemitério!
HELGA – Deixe-me fazer o que eu quero pelo menos uma vez na minha vida, mamãe. Deixe-me morrer em paz!
ÁLVARO HENRIQUE – Como você pretende morrer, Helga?
CARLOTA – Com uma punhalada no peito!
CATARINA – Um tiro na cabeça seria mais trágico.
JOSAFÁ – Por que você não se enforca, Helga? A morte seria instantânea.
ÁLVARO HENRIQUE – Tome uma dose excessiva de remédios, filha. Não sentirá dor nenhuma.
HELGA – Eu quero morrer afogada (fala com muita segurança)
CARLOTA – Sendo assim não vai ter enterro nenhum. Por mim você vai apodrecer dentro d’água, será devorada pelos sapos, cobras...